sábado, 16 de junho de 2012

ATR, uma entrevista

Um dos principais nomes da vertente mais pesada e hardcore da música eletrônica dos anos 90, o Atari Teenage Riot está de volta aos palcos desde 2010. A recente reunião já rendeu um álbum: "Is this hyperreal?" (2011) é o primeiro trabalho de estúdio do grupo em 12 anos. A banda tocou ontem em São Paulo, no Cine Jóia. Na última vez que estiveram na cidade, há mais de 10 anos, tocaram para mais de 1500 pessoas. Por isso, a possibilidade de um retorno fez um grande barulho nos blogs, mobilizou as redes sociais e agitou a mídia especializada.

O Atari Teenage Riot volta ao Brasil pela iniciativa do publicitário e fã Bruno Tozzini, um dos fundadores do núcleo TEMP (http://pt.wikipedia.org/wiki/Núcleo_TEMP), que fez história entre 2002 e 2007 na cena eletrônica brasileira espalhando o "digital hardcore" e o "breakcore". O primeiro contato de Tozzini com a banda ocorreu no fim de 2011, e logo de início eles manifestaram interesse em voltar ao Brasil. A partir disso, foi criado um evento no facebook, convocando fãs e entusiastas para a empreitada. Centenas se manifestaram e compartilharam a noticia em apenas algumas semanas (www.facebook.com/events/248869361842969/). Em parceria com o Ativa Aí (www.ativaai.com.br ), site de financiamento coletivo, foi criada uma estratégia de ativação com 200 cotas disponíveis, que foram adquiridas em menos de dois dias.

Conhecido por suas letras políticas contra o fascismo e o nazismo, o grupo alemão afirma que pela primeira vez em sua carreira, que começou em 1992, o público finalmente parece compreender a mensagem por trás das palavras ditas nas canções do Atari Teenage Riot. "Sinto que as pessoas não vão mais aos shows pelo 'fator choque'", conta Alec Empire. "Acredito que agora temos mais liberdade, dá pra ousar mais já que as pessoas compreendem melhor".

Diferente do som agressivo que faz com o ATR, o líder do grupo é simpático e bem humorado. Em entrevista por telefone ao G1, o músico abordou temas como o neo-nazismo, o uso de computadores Atari na construção das canções da banda e explicou porquê a reunião quase não aconteceu.

G1 – O Atari Teenage Riot tocou no Brasil há mais de 10 anos. Quais lembranças você tem daquela passagem pelo país?
Alec Empire –
Foi uma loucura. Me lembro de um monte de coisas, porque a banda tinha uma formação muito forte naquela época. Lembro do público ficar muito empolgado e ser muito vivo. Isso foi muito importante para mim. Acredito que esses shows no Brasil tiveram uma grande influência no disco que gravamos alguns meses depois. Lembro que antes de ir ao Brasil era sempre algo como “certo, temos que lançar discos, distribuir e e blá blá blá”. Mas, quando chegamos aí, nada disso importava porque todo mundo sabia cantar as músicas e as pessoas ficaram malucas. Havia muita energia e aquilo é o que deve ser sempre um show do Atari Teenage Riot, sem uma distância entre a banda e os fãs. Acho que isso geralmente acontece nos nossos shows, mas no Brasil isso se elevou. Amamos a experiência.

G1 – Qual foi o motivo da reunião?
Alec Empire –
Não houve um grande motivo, era pra ser só um show em Londres em 2010. Eu nem queria muito fazê-lo, para ser sincero, porque eu tinha terminado um disco solo na época. Mas atrasamos seu lançamento e a Hanin Elias, uma integrante da banda, perguntou se eu gostaria de fazer as pazes e realizar aquele show. Fiquei com um pé atrás, mas também tentado em aceitar, talvez por conta da grande história que temos com Londres. Pensei que ninguém ligaria muito para o show, mas o que eu não sabia é que tinha um público totalmente novo. Foi bem legal também porque adaptamos as músicas, pois se ficássemos apenas presos ao passado não funcionaria. Não foi bem como uma reunião, foi mais como um projeto aberto. Poderia ter dado tudo errado, porém.Ainda acredito que não estava totalmente errado em ser pessimista [em relação à reunião do Atari Teenage Riot] (risos).

G1 – Quais são as diferenças daquele Atari Teenage Riot para o atual?
Alec Empire –
Acho que uma diferença é que antigamente existia uma atmosfera mais niilista, especialmente quando tocávamos no fim dos anos 90, pois parecia que muitos problemas estavam crescendo dentro da sociedade e era como uma maldição com a chegada dos anos 2000. Agora há uma energia mais otimista. Talvez não haja tanto dinheiro ao redor da reunião, mas a motivação é totalmente diferente. Pela primeira vez sinto que as pessoas não vão aos shows pelo "fator choque", mas talvez porque elas realmente entendem sobre o que estamos falando.

G1 – Durante o hiato, não apareceram muitos grupos fazendo um som semelhante ao Atari Teenage Riot. Acredita que a sonoridade que construíram naquela época não pode ser copiada com facilidade?
Alec Empire –
Isso acontece porque só a gente usa computadores Atari dos anos 80 (risos). Ninguém mais usa esse tipo de equipamento louco. Queríamos fazer os shows usando o mesmo tipo de equipamento de antigamente, porque o som da banda e a forma pela qual os beats funcionam dependem disso. Talvez seja um lance de nerds de estúdio, mas há muita verdade nisso. Talvez alguns tentem alcançar esse tipo de som, mas imediatamente faz com que não fique idêntico por não terem o equipamento. Mas também por causa da forma na qual usamos o Atari. O jeito que programamos é diferente. É a filosofia que está na estrutura das músicas, o conceito. 

G1 – O álbum “Is there hyperreal?” é o primeiro da banda desde 1999. Como foi o processo de criação e grvação das canções?
Alec Empire –
Ainda que os temas explorados sejam bem sérios, o ato de fazer música fez com que a gente se divertisse. Voltamos ao básico. Agora entendo, mais do que nunca, o que as bandas punks do final dos anos 70 queriam dizer com o “voltar ao básico”. Com o ATR, a limitação técnica faz com que você se torna criativo por ter que resolver problemas de um jeito diferente. Acho que ficou bom. Os tópicos que abordamos se encaixaram perfeitamente com o som, que está mais parecido com o do primeiro álbum. Mas também não queríamos repetir o que já tínhamos feito. Há uma ponte com o passado, mas sem querer recriar aquilo. Acredito que agora temos muito mais liberdade, pois dá pra ousar mais, uma vez que as pessoas compreendem melhor.

G1 – A banda sempre discursou contra o nazismo. Não acha estranho mesmo hoje em dia vermos neo-nazistas pelo mundo, inclusive em países como o Brasil?
Alec Empire –
Temos muitos problemas na Alemanha, com neo-nazistas atirando na cabeça das pessoas. Faz você se perguntar: “o que está acontecendo? De onde vem isso?” Totalmente louco. Vivemos em um mundo que cresce cada vez mais unido e parece que essas pessoas não querem aceitar essa realidade, portanto sua reação é muito antiquada. Quando ouço alguém dizendo que os alemães são a raça superior, penso: “desculpe, mas isso é uma loucura”. Com o conhecimento que todos temos hoje em dia, é ridículo alguém achar isso. São teorias contraditórias, é muito estranho ainda termos que combater isso nos dias atuais.

G1 – Você nunca parou de fazer música. Como ficará sua carreira solo agora que o Atari Teenage Riot voltou?
Alec Empire –
Eu tenho esse disco que queria ter lançado em 2010. Ouvi ele recentemente e fiquei surpreso em quão diferente é a mistura de sons e em como ele não segue um modismo. Vou lançá-lo e também farei uma turnê com ele. Muitos já estão me cobrando, pois não é exatamente o mesmo grupo de fãs, diferentemente do que as pessoas possam imaginar. Sempre gostei de fazer várias coisas ao mesmo tempo, acho  que faz bem para a criatividade.

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por Flávio Seixlack

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